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José Manuel Simões em Busca da Liberdade Eterna (Parte I)

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José Manuel Simões em Busca da Liberdade Eterna (Parte I)

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José Manuel Simões é um escritor, jornalista, professor universitário português que vive e trabalha em Macau, na Ásia, há 8 anos. Esta entrevista pretende ser uma ponte de ligação entre um vasto público que adora ler e o autor português, que parece ter vivido não uma, nem duas, mas muitas vidas dentro da mesma, e que há 5 anos se especializou na publicação de livros com uma visão peculiar da realidade.

Doutorado em “Global Studies”, Mestre em Comunicação e Jornalismo, professor, tutor, jornalista, escritor, José Manuel Simões privou com centenas de músicos, escreveu biografias musicais de artistas como Cesária Évora, Júlio Iglésias, Delfins, David Byrne (entre outros), entrevistou inúmeros cantores, viajou por mais de 50 países, morou em Portugal, Suíça, Brasil e, conforme já foi referido, atualmente vive em Macau, onde é professor universitário e escritor.

Contudo, apesar de todos os títulos, profissões e aventuras que acumulou durante uma Vida incrivelmente rica, José Manuel Simões é inqualificável.

Se você é brasileiro, talvez as 2 mais recentes obras de José Manuel Simões até agora editadas (“Os Índios Potiguara” + “Ponto de Luz”) revelem mais sobre o seu Brasil do que estava à espera. Apesar de ter nascido em Coimbra, centro e coração de Portugal, o escritor lusitano estabeleceu ligações profundas com as Terras de Vera Cruz (conforme poderá confirmar ao longo desta entrevista publicada em duas partes) que agora tem desvendado com uma escrita pungente e sem superficialismos nos seus livros. No próximo livro “Deus Tupã“, que terá edição no Verão de 2016, não vai escapar um olhar profundo sobre as relações de Portugal e Brasil.

Apesar de substancialmente diferentes na forma e no conteúdo, os 3 livros de José Manuel Simões mencionados nesta entrevista têm uma linha condutora bastante explícita e natural: o Brasil. Todavia, o autor português é acima de tudo um amante da Arte, cuja vida foi marcada por inúmeros episódios que culminaram numa teia de histórias, amizades e ligações com personalidades do mundo da Música, Literatura, Arte e Jornalismo. E todas essas experiências são colocadas ao serviço da sua escrita.

Uma entrevista especial com José Manuel Simões

Confesso que esta é uma entrevista especial para mim. Não apenas porque foi realizada de forma virtual, a mais de 10 mil km de distância entre o Porto e Macau, mas porque encerra em si mesma uma história (bonita e circular) sobre jornalismo.

Nota prévia: sou amigo há vários e bons anos deste personagem peculiar da cultura portuguesa. Mas primeiro fui aluno do professor universitário José Manuel Simões na Faculdade de Jornalismo do Porto há mais de 15 anos. Devido a uma forte ligação comum à banda Morphine e ao escritor Jack Kerouac tornámo-nos amigos muito rapidamente. Anos depois, a amizade evoluiu ao ponto de ter vivido com o José Manuel Simões uma jornada muito importante da sua vida, quando casou em 2003 no Brasil, mais propriamente na Aldeia Galego, asilo da Tribo Potiguara no Estado da Paraíba (Brasil).

Na altura, tive a sorte de ser convidado para assistir e filmar o casamento… e terminei a noite com o José Manuel Simões a dançarmos a música Have a Lucky Day dos Morphine na discoteca da Tribo Potiguara (!!!) com 30 graus de temperatura às 4h da manhã em pleno seio da Aldeia Galego, junto à Baía da Traição!

Resumindo, tudo acabou de forma inenarrável com este meu grande amigo a festejar em grande o passo gigante que tinha acabado de concretizar na sua Vida. Foram dias incríveis, inesquecíveis, indeléveis da minha memória e que reforçaram a amizade que dura até aos dias de hoje. Anos depois, o José Manuel Simões abdicou do Jornalismo em Portugal, rumou a Macau e dedicou-se ao ensino universitário e à escrita dos seus romances. Mantivemos sempre o contacto e ele é inclusivamente colaborador habitual do blog Mundo de Músicas onde assina crónicas fascinantes sobre Histórias de Bastidores do meio musical. E agora o aluno de Jornalismo faz uma entrevista ao professor.

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José Manuel Simões e Gonçalo Sousa no dia de apresentação do livro “Os Índios Potiguara” na FNAC de Santa Catarina na cidade do Porto (Portugal).

Desde o primeiro momento em que nos conhecemos admito que sempre tive admiração pela pessoa e fascínio pela personagem. Por tudo isto que expliquei em cima devo acrescentar que não somente é uma honra apresentar o escritor José Manuel Simões aos leitores do blog Mundo de Livros, mas sobretudo é um grande orgulho revelar o Homem por detrás de obras como “Os Índios Potiguara” (2013), “Ponto de Luz” (2015) e “Deus Tupã” (ainda por editar em 2016).

Na preparação deste texto que está a ler neste preciso momento, achei muito curioso notar que a resposta mais curta desta entrevista corresponda a uma palavra enorme, que talvez seja a definição perfeita do pensamento e modo de vida desta personalidade ímpar da cultura portuguesa. “A Liberdade”, respondeu quando lhe perguntei sobre qual a principal influência do escritor beat Jack Kerouac na sua vida e obra (naquela que era sem dúvida alguma para mim a pergunta mais pessoal desta entrevista).

Ao fim de tantos anos, agora sei a resposta quando alguém me pergunta por que razão admiro tanto o trabalho, obra e vida do José Manuel Simões. E a resposta é muito simples: ele é movido pela Liberdade! Mas qual Liberdade?

Liberdade de pensamento, Liberdade de criação, Liberdade espiritual, Liberdade de preconceitos, daquela Liberdade capaz de metamorfoses, a Liberdade de conhecimento, afinal a Liberdade que torna a Vida numa jornada de Humanidade que vale a pena recordar. E em cada um dos seus livros, este é o valor supremo que perpassa para cada leitor, como se ele estivesse sempre em Busca da Liberdade Eterna.

Entrevista com José Manuel Simões (Parte I)

Gonçalo Sousa (GS): Desde há vários anos que estás em Macau. Porquê? Como foste aí parar? O que fazes?

José Manuel Simões (JMS): Certa tarde de Maio de 2008 fui a um hipermercado – santuário do consumo desenfreado – na Figueira da Foz (Portugal), onde residia depois de ter vivido 2 anos inesquecíveis junto da tribo indígena dos Potiguara, no Brasil, e comprei um gel de banho vermelho de marca «Oriente». Durante uma semana, enquanto tomava o meu duche matinal, comecei a projetar um foco que até a mim me surpreendeu: “Já tenho um vínculo com o Brasil, outro com Portugal, ainda outro com a Suíça, agora é tempo de me virar para a Ásia! E porque não Macau – que conhecia por lá ter estado para duas reportagens enquanto jornalista?” E assim aconteceu, sendo tal a prova de que tudo o que o projetamos, com determinação e querer, é realizável.

Faz 8 anos em Junho de 2016 que estou aqui. Os primeiros 6 meses enquanto editor de um jornal em língua portuguesa – o Hoje Macau – e o restante como professor e diretor do curso de comunicação e media da Universidade de São José, uma universidade irmã da Universidade Católica Portuguesa, que pese embora ter como língua veicular o inglês, representa uma lança académica portuguesa no oriente.

GS: O que mais te impressionou nesse lado do Mundo?

JMS: Macau permite-me explorar a Ásia, descobrir paraísos, cidades insalubres, amontoados de gente, lugares que o mundo mal conhece, terras recônditas, outras etnias, mentalidades, culturas e surpreendentes modus vivendi. O que mais aprecio na Ásia é sentir-me seguro a qualquer hora e em qualquer lugar. Impressionar-me? Talvez com os moluscos a caminhar nas areias brancas da ilha de Modessa, Palawen, nas Filipinas, ao lado de surpreendentes corais.

GS: Durante muitos anos seguiste de perto a indústria musical em Portugal e internacional. Que memórias peculiares recordas desses tempos?

JMS: Centenas de concertos, eu a pular qual “canguru anfetaminado” – como escreveu o Cristiano Pereira sobre mim no JN – entrevistas inesquecíveis com os Oasis, Iggy Pop, David Byrne, Stone Roses, Morphine… Afinal os ídolos são tangíveis!

GS: Ainda hoje escreves regularmente sobre música no blog Mundo de Músicas na rubrica Histórias de Bastidores. É importante para ti continuar a fazê-lo?

JMS: Essas Histórias de Bastidores foram escritas no formato de crónicas para o Correio da Manhã nos últimos anos da minha atividade enquanto jornalista de música, devida ou indevidamente adaptadas e atualizadas para o louvável blog Mundo de Músicas. Atualmente estou muito longe desse fascinante mundo e, não sendo um saudoso, por vezes pergunto-me se não seria mais feliz se continuasse a escrever sobre essa arte maior que é a música. Mas, tal como a vida, somos de facto todos feitos de mudança.

GS: Qual o artista que conheceste que a nível pessoal mais te marcou?

JMS: O Miguel Ângelo dos Delfins porque é um dos meus melhores amigos e padrinho do meu filho David Ari, o Mike Patton por ser quem é, o David Byrne que deu nome à minha filha Heaven, o Arnaldo Antunes com quem troco raras afinidades, a Fafá de Belém pelas gargalhadas que partilhamos.

 

jose-manuel-simoes-indios-potiguara-bannerGS: Após tantos anos como jornalista nos quais assinaste milhares de textos sobre arte e cultura, e também como autor de biografias de artistas famosos como Júlio Iglésias, Cesária Évora e David Byrne, por que razão demoraste tanto tempo a editar o teu primeiro livro enquanto escritor?

JMS: As biografias foram escritas pelo eu jornalista, não é? Amo a escrita. A escrita é a minha terapia; minha meditação; meu hobby; a par das viagens, a forma que mais me satisfaz de ocupar os tempos livres. Como deixei de ser jornalista tinha que encontrar uma forma de dar vida a essa paixão, orgasmo e clímax que é para mim a escrita.

GS: No teu primeiro livro “Os Índios Potiguara: Memória, Asilo e Poder” falas de uma comunidade que te marcou profundamente a vários níveis. Porquê, qual é a história por detrás desta ligação improvável?

JMS: Os “Índios Potiguara: Memória, Asilo e Poder” é um livro que resulta de uma tese de doutoramento iniciada numa sorte de vertiginosa descida a um outro locus cultural. Por via dramática. Quando fui procurar estabelecer uma comunicação inicial com os índios Potiguara, ao chegar à reserva – formalmente interdita a “estranhos” – próxima à comunidade da Aldeia Galego, observei, mais do que aterrado, um avião bimotor a despenhar-se, ignorando então que no seguimento desse acontecimento viria a realizar um documentário cinematográfico sobre esta comunidade, a doutorar-me no tema e a escrever este livro que engloba em interdisciplinaridade os campos da História, da Antropologia Cultural e das Teorias da Comunicação, acompanhando e refletindo em sede de metodologia etno-histórica sobre um grupo cultural que se abriu ao exterior mas porfiando em manter traços, manifestações e representações culturais que apresenta como sendo ancestrais e singulares.

Cruzando a documentação histórica, a cronística, a cartografia e um enorme arquivo cerzido por entrevistas a caciques, pajés e curandeiros, fui percebendo a invenção da sua terra, do seu meio social e das suas manifestações e práticas culturais de hoje. Este livro persegue um objetivo epistemológico: transformar a investigação empírica em contribuição para uma nova teoria da história da comunicação e da comunicação da própria investigação – a comunicação antropo-histórica entre comunidades ditas tradicionais e o ‘Outro’ e a investigação em que o ‘Mesmo’, no sentido que lhe foi dado por Michel Foucault, incorpora e domina a invenção do ‘Outro’.

GS: Ainda hoje tens ligação com os Índios Potiguara?

JMS: Todos os dias, pois os meus dois filhos, a Heaven, 11 anos, e o David Ari, 10 anos, são fruto do meu casamento com uma índia potiguara. É um daqueles casos em que o candidato a antropólogo se mistura com o objecto de estudo.

GS: O que aprendeste com eles para o resto da tua vida ser diferente?

JMS: Que a solução para os problemas que assolam a humanidade pode passar pelo retorno à terra, aos pés descalços, aos pequenos-almoços nas árvores de fruta, à vida natural e em comunhão com a natureza.

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FINAL DA PARTE I

Pode ler a parte II desta entrevista a José Manuel Simões CLICANDO AQUI.

(Entretanto, confira também esta excelente entrevista na Teledifusão de Macau com José Manuel Simões e ainda esta outra entrevista para o Jornal de Notícias, para descobrir mais sobre este autor fascinante).

Os 2 livros já editados estão disponíveis nas seguintes lojas online:

“Os Índios Potiguara: Memória, Asilo e Poder” (2013) disponível na FNAC, Wook e Amazon.

“Ponto de Luz – Para além do Brasil Profundo” (2015) disponível na Livraria Cultura, FNAC, Wook e Amazon.

Aqui fica também o website oficial e redes sociais para quem deseja seguir os passos do José Manuel Simões:

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