A Ilustre Casa de Ramires: nova tradução da obra de Eça de Queirós
Estamos em 1900 quando Eça de Queirós, escritor máximo do realismo literário português, morre na sua casa em Paris. Com uma vasta obra literária, que se continuou a revelar anos após a sua morte – com a publicação de alguns títulos que até então não tinham visto a luz do dia – foi a obra A Ilustre Casa de Ramires que encerrou a bibliografia do autor, pelo menos enquanto este era ainda vivo.
O processo de produção, como sabemos hoje, ocupou 7 anos da carreira de Eça de Queirós. Esta história envolveu a criação e desenvolvimento de longas listas de vocabulário medieval relativo ao vestuário, a utensílios, pormenores de castelos medievais e uma curiosa carta dirigida ao conde de Arnoso, datada de 20 de Julho de 1899, em Paris:
«Eu escrevo-te, ao acaso, para S. Domingos à Lapa, porque segundo vejo nos jornais, como pirilampo em tarde de Estio, ora luzes aqui, ora além. Ainda estarás em Pindela, na boa castelania? Já estarás em Cascais? Entre essas correrias, quando parares em Lisboa, gostava que mandasses encaixotar e remeter-me esses grossos livros que deviam vir com as famosas cadeiras do Guimarães.
Ora é inútil esperar mais por essas cadeiras. Assentos do tempo de D. João V, há já quatro ou cinco meses que estão a caminho de tua casa. E têm, segundo creio, quatro pernas! Portanto, naturalmente, com saudades do seu tempo voltaram para trás, para D. João V… E por outro lado, esses grossos fólios, que são “Portugaliæ Monumenta Historica”, alguma falta me fazem para as minhas antiqualhas ramíricas e outras. Quando puderes escreve…»
A Ilustre Casa de Ramires: um romance singular
O resultado foi um livro que nos conta a curiosa e dramática história de Gonçalo Mendes Ramires, o Fidalgo da Torre, representante de uma nobreza já quase inexistente no Portugal oitocentista. Eça de Queirós constrói este romance singular evidenciando, de um modo divertido e irónico, a necessidade de um renascimento ético e moral do país e reservando ao leitor um final surpreendente que o fará sentir-se aclarado por toda a luz, antiga e moderna.
De forma surpreendente, quase meio século depois da primeira tradução em inglês, foi lançada no Reino Unido uma nova edição de “A Ilustre Casa de Ramires“, de Eça de Queirós, a décima da tradutora e sua “admiradora” Margaret Jull Costa.
Jull Costa começou a traduzir Eça de Queirós em 1992, quando lhe foi pedida uma tradução de “O Mandarim“, pelo editor Eric Lane, que na altura queria publicar livros de autores dos 12 países da União Europeia para comemorar o mercado único comum. “Em 30 anos de profissão, 25 foram passados a traduzir Eça de Queirós”, revelou à audiência durante a apresentação do livro na embaixada de Portugal, no Reino Unido.
Entre 1992 e 2017, o seu trabalho como tradutora passou por “A Relíquia“, “A Tragédia da Rua das Flores“, “O Crime do Padre Amaro“, “Primo Basílio“, “Os Maias“, “A Cidade e as Montanhas“, “Alves & Companhia” e “O Mistério da Estrada de Sintra“. A tradução anterior de “A Ilustre Casa de Ramires” para inglês datava de 1968.
Margaret Jull Costa é a mais conhecida e premiada tradutora de português para lingua inglesa, responsável pela tradução de livros de José Saramago, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, António Lobo Antunes, Lídia Jorge ou Teolinda Gersão. Em 2008, a sua tradução de “Os Maias” foi premiada com o prémio Oxford Weidenfeld no Reino Unido e o prémio Pen Livro do Mês nos EUA.
A tradutora não tem dúvida de que Eça de Queirós “devia ser mais conhecido” no Reino Unido, elogiando o seu talento e estilo para fazer desde descrições a diálogos. “Tem um sentido fantástico do absurdo”, disse, revelando que se identifica muito com o público britânico.