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Anaïs Nin: A celebração da amante

Anaïs Nin: A celebração da amante

by William Lima Eloi

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Apesar do que nos diz hoje a neurociência e vários outros exemplos contrários à psicanálise, como o do ensaísta e crítico literário norte-americano, Frederick Crews, que ano passado lançou o polêmico, Freud: A construção de uma ilusão – foi a partir dos divãs – na virada do século XIX para o século XX – com receitas de cocaína à mão comprada em farmácias, que se chegou hoje ao que chamamos hoje de feminismo e libertação sexual.

E ainda que fosse verdade a afirmação do professor emérito da faculdade de Berkeley, que a subjetividade psicanalítica aplicada com fins terapêuticos seja um engodo, igualmente verdadeiro pode-se afirmar que por conta desses mesmos equívocos atravessamos as inscrições dos pátios de Delfos e o conhece-te a ti mesmo passa também do plano mental ao plano físico. Nesse contexto é que viveu a escritora Anaïs Nin.

Mais do que a sombra de Henry Miller, ou apenas a sua amante, Anaïs foi a voz e a expressão da sexualidade feminina de início de século, talvez menor em representatividade apenas do que Lou Salomé [1]. Na busca por suas verdades, assim como Salomé, Anaïs rompeu com tabus e questionou a moral de sua época. E a exemplo do pai, o pianista cubano Joaquim Nin, Anaïs andou nos círculos de artistas e boêmios parisienses – a quem muitos ajudou, como foi o caso do próprio Miller, e do dramaturgo Antonin Artaud e o seu teatro da crueldade.

Sua escrita fora marcada por um caráter pendular, oscilando entre tanatos e eros, o sentimento de culpa e do delírio.  Certamente um reflexo da vida que tinha à época; num casamento estável – porém estéril – com o banqueiro Hugh Guiler, que, ainda que lhe garantisse uma estabilidade financeira e emocional, mesmo sem querer tolhia sua criatividade; impedindo lhe de realizar-se como artista e como mulher. Os diários que escreveu ao longo da vida – seus registros mais famosos – foram uma catarse lírica de sua neurose.

Apesar de sua obra abordar também temas psicológicos, como a relação que mantinha com o pai – Anaïs Nin foi adepta e uma entusiasta da psicanálise dos primeiros anos, que espantou boa parte da intelectualidade da época- só foi amplamente conhecida por seus contos eróticos, vendidos geralmente sob encomenda, como foi o caso da coletânea Delta de Vênus.

Talvez em outro país o conceito de “liberdade”, contida no lema Liberté, igalité, fraternité e que tanto atraiu os estrangeiros pós-primeira guerra mundial a Montmartre, não lhe teria sido favorável. E aqui cabe uma pequena história sobre o tema:

Não por acaso, as letras francesas sempre tiveram tradição no erotismo, que desde os escritores libertinos – em especial os do século XVII como marquês de Sade, Chordelos de Laclos, Rétiff de La Bretone – já causavam escândalo; geralmente com a opressão do senhor da família abastada sobre o seu objeto de desejo; impondo o sofrimento e a humilhação como forma de prazer.

 

 

 

O sangue só viria a sair da cena na Belle époque. Foi quando a poule adquiriu um tom glamouroso nas apresentações do can- can dos cabarés da época – como o famoso Moulin Rouge. Era a musa do herói boêmio bebedor de absinto, deitada languidamente nua sobre uma cama- como numa tela de Tolouse-Lautrec. E depois, ao fim da primeira guerra mundial, quando foi o fim também da Belle époque, no trottoir pelas calçadas de Clichy.

E assim pornografia e erotismo saiam do puramente libidinoso e chegavam ao mundo das letras também como manifesto de liberdade, como foi o caso do escritor inglês D.H Lawrence de o amante de Lady Chatterley , e no lastro da psicanálise e de filósofos que abordavam as questões ligadas a moral e o instinto – como Fredrich Nietzsche.

Anaïs Nin conseguiu perceber tudo isso porque foi uma artista do seu tempo. Viveu o Zeitgeist. Entendia que o papel da prostituta- e até mesmo da amante, contrapontos a figura da esposa, e, por sua própria natureza, mais liberal- se manteriam fiéis apenas às realizações de suas paixões e ao prazer. Eram “livres” como o artista. Sem filhos, a não serem por suas obras; sem família, a não ser por seus amigos de orgias. Novamente a figura do pai, os traumas pela separação apontavam para esse caminho. Quando o casamento – enquanto instituição próspera- era apenas uma ilusão, frente aos impulsos de Gômer [2]. Entretanto, apesar da visão singular, Anaïs não foi unanimidade no meio artístico.

Além dos ataques conservadores à época, muitos dos seus críticos apontavam para o caráter biográfico de sua obra em detrimento da artista. O uso da psicanálise freudiana em que se poiavam seus textos, para enxergarem nela uma autora feminista; citando para isso a própria misoginia do pai da psicanálise, que, por exemplo, considerava o orgasmo feminino uma forma de neurose.

Talvez, e por isso, a mulher em seu universo ainda cumpra um papel frágil – Diferentemente de uma Hilda Hilst ou Clarice Lispector, por exemplo. Há uma excessiva valorização ao vigor e a força, como virtude psíquica do macho, que sempre lhe serve como refúgio, e que compensava com o flerte a bissexualidade. Tal atitude do seu “eu feminino” é, porém, justificável. Pois entre Anaïs e as duas escritoras brasileiras estamos falando de vinte e trinta anos de diferença, e termos como revolução de costumes era algo que ainda dava seus primeiros passos. Porém, independentemente do julgamento que se faça, o que ficou foi a coragem com que fez de sua honestidade – assim como a vida – sua grande obra. [3]

 

[1] Lou Andreas-Salomé (1861-1937), filósofa, poeta, romancista e psicanalista russa. Por um período, dividiu, de forma escandalosa, o mesmo teto com Nietzsche e o filosofo Paul Rée. Repudiava a ideia de ter filhos. Com sua beleza e com sua mente, encantou grandes nomes de sua época: Freud, Nietzsche, Wagner, Rainer Maria Rilke – sendo deste último, amante.

[2] Palavra em hebraico que quer dizer acabado, perfeição. Também é o nome da mulher do profeta Oseias. Uma meretriz a quem Deus o manda tomar como esposa, e a quem o abandona para voltar a viver livremente  na prostituição. Gômer volta para os braços de Oseias, que a aceita e a perdoa.

[3] “Tornar-me numa obra de arte importa-me mais do que criar uma obra de arte.” Anaïs Nin.

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Comments

  • 16 April, 2018

    Muito bom! Quanta informação! : – )

  • Maria Elisete
    28 July, 2019

    Affe, não basta fazer literatura de primeira? Quer fazer critica literária tb?

    Adorei o texto

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