Bocage: o contador de histórias picantes e obscenas
Mesmo que não faça parte dos programas curriculares do ensino português, o nome de Manuel Maria Barbosa du Bocage ressoa nos ouvidos de todos os que conhecem o básico de literatura portuguesa. Afinal de contas, este foi um dos nomes mais importante do movimento Arcadismo, brindando a sociedade portuguesa, em pleno século XVIII, com poemas individualistas, muito tocados com reflexões pessoais, um toque de sátira e até mesmo humor. Muitos acreditam mesmo que estabeleceu as bases para a poesia romântica que se expressou com força no século XIX.
Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em Setúbal, no dia 15 de setembro de 1765, no seio de uma família da classe média alta. O seu pai, José Luís Soares de Barbosa, era juiz de fora e ouvidor enquanto a sua mãe, Mariana Joaquina Xavier l’Hedois Lustoff du Bocage descendia de uma família da Normandia, França.
Como muitos jovens daquela época, Bocage alistou-se na Marinha de Guerra, onde se graduou. Esta foi a oportunidade não apenas para iniciar uma carreira mas para viajar. Em 1986, com vinte e um anos, viaja para o Brasil e nesse mesmo ano parte ainda para o Oriente, onde permaneceu como guarda-marinha, num posto na Índia. Daí passa para Damão, quando é promovido. Porém, é por esta altura que Bocage decide que a Marinha não é afinal para si: desertando ao seu posto, embarca para Macau e começa a levar uma vida errante e boémia.
Mas a sua passagem por Macau termina quando regressa a Lisboa, em 1790, já com vinte e cinco anos. É aqui que começa a assentar e a escrever. Escondido por detrás do pseudónimo Elmano Sadino, envolve-se na associação de poetas conhecida já por Nova Arcádia. Os seus textos abordavam especialmente pastores, pastoras, ovelhas e elementos da mitologia clássica.
No entanto, o tempo ditou que a escrita de seguisse outro rumo: a pouco e pouco, começa a deixar a poesia artificial para escrever sobre si mesmo e o seu mundo, os seus dramas amorosos e existenciais. A linguagem com que se expressava refletia era especialmente aceite pelos leitores daquela época, não só por ser simples, mas também divertida. Não é de admirar que ainda hoje Bocage seja lembrado como um dos poetas mais lidos de Portugal.
O que define a escrita de Bocage?
Como dissemos acima neste post, a escrita de Bocage encaixa-se no período do Arcadismo, embora se debruce para as vertentes mais românticas que se seguiram na literatura portuguesa algumas décadas mais tarde. Dito isto, há muitos investigadores a considerar a literatura de Bocage como transitória. É uma escrita marcada por grandes transformações na Europa, decorrente da Revolução Francesa e do florescimento do Romantismo.
Privilegiando o soneto, Bocage cultivou como temas o amor e o erotismo, mas este entendido de uma forma mais terrena e não platónica. Hoje, não há duvida de que é um dos maiores sonetistas líricos da literatura portuguesa, lado a lado com Luís Vaz de Camões e Antero de Quental. Lamentavelmente, Bocage não faz parte dos programas escolares de Língua Portuguesa apesar de ter uma bibliografia rica em todos os géneros literários: idílios, odes, canções, epístolas e fábulas.
A vida de Bocage nem sempre foi fácil e a sua liberdade de expressão foi difícil de manter: acusado de satirizar o clero e a nobreza, foi processado e preso pela Inquisição, cumprindo pena nos mosteiros e passando a viver de traduções. Lentamente, perdeu a sua fama de poeta satírico e, com o tempo, o seu nome tornou-se sinónimo de contador de histórias picantes e obscenas. O poeta acabou por falecer em Lisboa, no dia 21 de dezembro de 1805. Tinha 40 anos.