Cancioneiros: os textos mais antigos da língua portuguesa
Os primeiros textos redigidos em língua portuguesa (ou o dialeto que viria mais tarde ser reconhecido como tal) datam de fins do século IX até aos inícios do século XII. Esta é, então, a fase proto-histórica do nosso idioma, isto é, aquela que só se pode reconstruir por métodos histórico-comparativo ou à base de documentos em latim bárbaro. O texto mais antigo redigido em português remonta à fundação da antiga Igreja de Lordosa, no ano de 882.
É desde o final do século XII que a língua portuguesa se começa a sujeitar a uma disciplina gramatical e escolar. Este período prolongar-se-á até ao séc. XVI e denomina-se por período arcaico. A partir de meados do século XV, o português comum e literário resulta de uma rápida fusão e evolução linguística realizada sobretudo em Lisboa, com grande influência dos dialectos meridionais, que deu à fonética portuguesa certas características talvez moçárabes.
Neste post que inicia um especial do Mundo de Livros sobre a história da língua portuguesa e a sua relação com a literatura, prestamos a nossa atenção aos cancioneiros. Para quem não está familiar com o termo, tratam-se de colectâneas de cantigas de amor, de amigos e de escárnio e mal dizer.
Os três cancioneiros primitivos
Quase todas as literaturas se iniciam por obras em verso. Assim, não é de admirar que os mais antigos textos literários em língua portuguesa sejam composições em verso coligidas em cancioneiros de fins do século XIII e do século XIV, que reúnem textos desde fins do século XII.
Conhecem-se três cancioneiros ou colectâneas de cantigas de autores diversos em língua galega ou portuguesa. O mais antigo, o Cancioneiro da Ajuda (Imagem lateral), foi provavelmente compilado ou copiado no final do século XIII. Neste documento em pergaminho, – que recebeu este nome por estar hoje conservado no Palácio Nacional da Ajuda – encontramos mais de 310 cantigas de amor. Análises aos textos permitiram perceber que foi escrito por uma só pessoa.
Apesar de ser o mais antigo, isso não significa que seja o mais completo. O Cancioneiro da Ajuda conta, na verdade, com múltiplas falhas, uma vez que só abrange composições poéticas anteriores à morte de Afonso X de Leão. A produção do rei D. Dinis de Portugal, por exemplo, não faz parte deste documento. E, ao que parece, o responsável pelo Cancioneiro da Ajuda tinha uma clara preferência por cantigas de amor, uma vez que exclui as cantigas de amigo e as de escárnio e maldizer.
O mesmo não acontece com o Cancioneiro da Biblioteca Nacional e o Cancioneiro da Vaticana, que hoje nos chegam sob a forma de cópias realizadas em Itália no século XVI, a partir das compilações originais (que se perderam) e que datavam provavelmente do século XIV.
O Cancioneiro da Biblioteca (Imagem lateral) conta com 1664 composições (um número muito maior que o Cancioneiro da Ajuda, como podemos reparar) e foi compilado por iniciativa do humanista Angelo Colocci. Alguns séculos mais tarde, o manuscrito passou para as mãos do Conde Paolo Branchity di Cagli que o vendeu, em 1888, ao italiano Ernesto Monaci. O Estado Português acabou, finalmente, por comprar o documento em 1924, depositando-o na Biblioteca Nacional de Portugal.
Temos então por último o Cancioneiro da Vaticana, que se encontra arquivado na Biblioteca do Vaticano, e que coleciona mais de 1200 cantigas de amor, de amigo e de escárnio e maldizer. Tal como acontece com o Cancioneiro da Biblioteca, este documento abrange textos poéticas em língua portuguesa num espaço de tempo mais abrangente. Aqui é possível encontrar textos de D. Afonso III de Portugal, assim como contemporâneos do rei D. Dinis e dos seus filhos.
Não devemos imaginar todos, nem talvez mesmo a maior parte dos poetas dos cancioneiros, no ambiente da corte de D. Afonso III, de D. Dinis, ou da roda de seu filho, D. Pedro, Conde de Barcelos. Estes cancioneiros devem ter ganho forma sobretudo no início da língua portuguesa, em cortes senhoriais galegas e na corte leonesa-castelhana.
Gosto de tudo o que diz respeito aos Cancioneiros; fui criada a ouvir falar deles. Os meus Pais, Elza Paxeco e José Pedro Machado, deram ao público, sem nenhum apoio, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional. Durante anos acompanhei a minha Mãe aos Reservados da BN, para ela copiar à mão (não havia outra forma) , do original para os grandes cadernos (sou eu que tenho) onde em casa poderiam estudar e depois publicar.