Dante Alighieri: o poeta exilado que é personagem na sua própria obra
A Idade Média continua a ser recordada pelos historiadores como um dos períodos mais obscuros da história da humanidade. Perante o estilo de vida que já existia há mais de 2000 anos, nos dias do Império Romano, torna-se difícil perceber como se deu uma regressão tão abrupta a nível cultural, social e económico. Os valores democráticos, promulgados pela Civilização Clássica, cederam lugar à autocracia das monarquias. A qualidade de vida, e com ela a esperança média de vida, sofreu um abalo gigantesco. E os próprios cânones da cultura clássica caíram no esquecimento.
Ainda assim, foi neste longo período da história que surgiu Dante Alighieri, um poeta italiano capaz de revolucionar a cultura da época e construir uma obra ainda hoje considerada como a mais importante da literatura medieval.
Estamos então em Florença, na península italiana, quando nasce Dante, em 1265. Uma vez que não há documentos oficiais que apontem o nascimento do poeta, torna-se difícil encontrar uma data certa para o seu nascimento. Pelos cálculos de vários historiadores, estima-se que Dante tenha nascido algures no início do verão, entre maio e Junho. Também se sabe que a sua família, os Alaghieri, fazia parte da fação política dos guelfos, que se opunha abertamente a outra fação florentina, os gibelinos.
A morte precoce da mãe de Dante, quando tinha 5 anos e o segundo casamento do seu pai – do qual resultaram dois meios-irmãos – terá impulsionado a família a encontrar um bom enlace para Dante. Assim, quando tinha apenas 12 anos, casou com Gemma Donati. Porém, como deixou bem claro na sua obra, por essa altura o seu coração já pertencia a outra mulher: Beatriz. Esta mulher, que Dante terá visto pela primeira vez quando tinha apenas 9 anos, foi inspiração constante da sua obra. Mesmo tendo casado com um banqueiro italiano e morrido precocemente, com 25 anos, Beatriz manteve-se sempre como a musa inspiradora de Dante ao longo da sua carreira.
E, por falar na carreira de Dante, é impossível não mencionar que lhe aconteceu em 1302. Por esta altura, enquanto assumia funções num cargo público, foi acusado de corrupção. A sentença inicial estipulava que, pelo seu crime, o escritor italiano teria de pagar uma pesada multa. Todavia, a sentença acabou por ser ajustada e ficou decidido que Dante seria queimado vivo caso permanecesse na sua cidade natal.
O exílio, a procura por redenção e a Comédia
Desanimado e em busca de absolvição, parte então para exílio, vagueando entre Verona, Bolonha e Ravena. Nunca se afastou muito, mantendo sempre os olhos sobre Florença, esperando um dia regressar.
O regresso, pensou ele, poderia ser conseguido com pena e tinta. Ao dedicar-se à produção de obras líricas e tratados políticos esperava obter mérito suficiente para que lhe atribuíssem perdão. Mas a verdade é que, apesar do vasto legado literário que deixou, Dante nunca mais voltaria a regressar à sua amada Florença.
É durante este exílio que o poeta encontra então a inspiração para compor aquela que é hoje conhecida como A Divina Comédia. Inicialmente, o texto era denominado apenas de Comédia. O “Divina” veio apenas alguns anos após a sua morte, acrescentado ao título pelo também poeta italiano Boccaccio, que considerava pertinente o ajuste.
A obra era composta por três partes: Inferno, Purgatório e Céu e tinha Dante como personagem principal. Puramente lírico, o texto narrava a jornada do próprio Dante que, guiado por Virgílio – autor e poeta clássico do texto Eneida – é conduzido através dos círculos do Inferno, partindo de seguida para o Purgatório e, eventualmente, para o Céu. Nesta jornada ascendente, cruza-se com personalidades históricas que, após a morte, foram colocadas num destes três espaços. Este retrato da morte consegue assim ser satírico e tocar em figuras tão importantes, desde Papas a soberanos europeus, sem esquecer ainda poetas e nomes da antiguidade como Júlio César e Cleópatra.
Em 1318, Dante é convidado pelo príncipe de Ravena, Guido Novello da Polenta, a morar no seu reino. Aí, o poeta conclui o Paraíso e, pouco tempo depois, morre aos 56 anos, sem oportunidade para ver a última parte da sua obra publicada. O seu corpo foi enterrado em Ravena, naquela que é hoje conhecida como Igreja de San Francisco. Apesar de nem os seus restos mortais terem regressado a Florença, poderá atualmente encontrar, nesta cidade italiana, uma peça de barro que preserva o rosto de Dante após a sua morte, no Palazzo Vecchio.