Descascando a Cebola, a polémica autobiografia de Günter Grass
A polémica autobiografia de Günter Grass, “Descascando a Cebola” (conhecida no Brasil como “Nas Peles da Cebola”), ficou marcada pela confissão que o autor fez de ter pertencido às Wafen SS, uma força de elite nazi. Hoje recordamos esse episódio.
«Beim Häuten der Zwiebel» literalmente “Descascando a Cebola” em português é o título da autobiografia de Günter Grass. A obra gerou grande polémica gerada em torno da confissão que o autor alemão fez de que aos 17 anos integrou uma força de elite nazi, as Waffen SS.
Desde a revelação foram muitos os que criticaram Grass pelo facto de ter escondido tal facto durante 61 anos. Alguns dos intervenientes, nomeadamente, Wolfgang Boernsen (democrata-cristão do Parlamento alemão e porta-voz da Cultura) disseram mesmo que o autor deveria devolver o Prémio Nobel da Literatura, com o qual foi distinguido em 1999.
Uma hipótese que o presidente da Fundação Nobel, Michael Sohlman, descartou afirmando, na altura dos acontecimentos, que “as decisões dos prémios são irreversíveis e nunca um prémio foi retirado”. Pessoalmente atingido pelas críticas e pela proporção da polémica que a sua confissão gerou na opinião pública, em entrevista à agência alemã DPA, Günter Grass afirmou que algumas pessoas o queriam tornar numa “persona non grata”.
Entretanto, em algumas das passagens da autobiografia que demorou três anos a ser concluída e que foi editada em 33 países, o autor reconhece: “Aquilo que aceitei com o orgulho tonto de meus jovens anos quis calar depois da guerra por vergonha sempre renovada. No entanto, o peso persistia e ninguém podia amenizá-lo”.
Da sua passagem pelas Waffen SS, Grass recorda-a como tendo sido uma aprendizagem súbita de embrutecimento no manejo de armas e tanques para defender a Alemanha antes da queda. Apesar disso, assegura que “não sabia nada dos crimes de guerra que logo vieram à tona, mas a afirmação de minha ignorância não pode ocultar a consciência de ter estado integrado num sistema que planificou, organizou e levou a cabo a aniquilação de milhões de seres humanos”.
“Ainda que pudesse convencer-me de não ter tido uma responsabilidade activa, sempre ficava um resto, que até hoje não se apagou, e que com demasiada frequência se chama responsabilidade compartida. Viverei com ela até o fim de meus dias, isso é uma certeza”, reconhece ainda no texto.
Günter Grass – considerado uma figura importante da literatura alemã e europeia dos últimos 50 anos – esteve em Novembro de 2006, em Lisboa, no Instituto Goethe, onde abordou a questão. Na altura, o escritor afirmou que, na Alemanha, “a polémica foi feita sem considerar o que está no livro”.
De facto é um livro com 385 páginas que merecia outro reconhecimento, mas ao qual o público em geral e crítica especializada, devido à polémica gerada, acabou por dar menos relevância a outros aspectos da biografia do escritor.
José Saramago considerou críticas a Günter Grass hipócritas
Na época, José Saramago considerou “hipócritas” as reacções contra o escritor alemão Günter Grass, que faleceu em 2015. O Nobel da Literatura português foi aliás o primeiro escritor de vulto a manifestar apoio ao germânico.
“Parece-me que houve uma reacção hipócrita de muita gente que não consulta a sua própria consciência”, afirmou o escritor português, numa entrevista publicada pelo jornal espanhol “El Pais”.
Questionado sobre a sua própria opinião acerca do passado de Günter Grass, José Saramago disse que, primeiro, ficou “perplexo. Nunca tinha pensado que Grass pudesse ter estado nas Waffen SS e muito menos como voluntário”. Contudo, logo a seguir também considerou “indigna e infame” a insinuação de que Grass só fez a revelação para promover a sua autobiografia, lembrando que, na altura, o autor tinha apenas 17 anos.
“E o resto da vida não conta?”, questionou José Saramago. “Que juiz pode dizer que uma confissão vem demasiado tarde? A verdade é que o admitiu, fez a sua confissão”, acrescentou.