Antes de Edgar Allan Poe já Charles Dickens tinha um corvo de estimação
Não terá sido por mero acaso que, em 1848, o poeta James Russell Lowel escreveu os seguintes versos: “Lá vem o Poe com o seu corvo/Como Barnaby Rudge/Três quintos de genialidade e dois quintos de extrema falsidade”.
O Poe a que se refere é, inegavelmente, o poeta norte-americano Edgar Allan Poe, conhecido pela sua poesia obscura e pelo poema The Raven, de 1845. Já Barnaby Rudge, como muitos poderão ter percebido, é a personagem de um dos clássicos de Charles Dickens, publicado em 1841. Quatro anos separam a publicação das obras dos dois autores mas esta proximidade da publicação não é o único elo de ligação entre Poe e Dickens.
Passado durante o período das chamadas Revoltas Gorden, em 1780, o livro de Dickens tem como pano de fundo os protestos anti-católicos que tiveram lugar em Inglaterra durante esse período. Considerado por muitos como um prelúdio para o livro Uma História de Duas Cidades, este livro terá de facto influenciado por Poe e a sua poesia.
A verdade é que há provas de que Edgar Allan Poe leu o livro de Dickens, já que fez uma crítica aos primeiros quatro capítulos de Barnaby Rudge, prevendo até o final do livro. Terá sido durante esta leitura que Poe desenvolveu uma empatia especial com uma certa personagem: um corvo chamado Grip que acompanha a personagem Barnaby para todo o lado.
Descrito por Poe como um corvo “intensamente divertido”, o poeta norte-americano terá ainda demonstrado o seu fascínio pela forma como Dickens construiu a personagem e como usou o seu cacarejar de forma profética ao longo da história.
O dia em que Edgar Allan Poe e Charles Dickens se encontraram
Esta relação que se estabelece entre o Poe leitor e o Dickens escritor avança, um ano mais tarde, quando os dois se encontram em pessoa. Por ocasião da visita de Charles Dickens aos Estados Unidos, Poe escreveu uma carta ao britânico. A partir daí os dois começaram-se a corresponder com frequência.
Na sua viagem, Dickens estava acompanhado da esposa Catherine, dos seus filhos e ainda do corvo de estimação que, tal como se sucede em Barnaby Rudge, se chamava Grip. Ao encontrar a família Dickens e o corvo, Poe ficou “encantado por descobrir que Grip era baseado no próprio pássaro de Dickens”, contou Lucinda Hawksley à BBC.
Como Dickens terá admitido a Poe, o seu próprio corvo dominava um vocabulário impressionante, tendo inspirado diretamente a construção da personagem de Grip. A filha de Dickens, Mamie, chegou mesmo a descrever o animal como “malvado e impudente” por ter o hábito de morder as crianças e de dominar o corrimão da casa.
No entanto, Charles Dickens adorava o animal de tal forma que, quando o corvo morreu, mandou estufá-lo para o preservar (uma prática que não era totalmente estranha na época). Aliás, os restos mortais de Grip podem hoje ser encontrado na Free Library of Philadelphia.
Acerca da influência que Grip teve na personalidade e estilo de Edgar Allan Poe, a diretora do departamento de livros raros da biblioteca em Filadélfia disse à imprensa que “foi um momento único da literatura quando dois grandes escritores estão a pensar acerca do mesmo. Ficamos a pensar no quanto estes dois homens pensavam no trabalho um do outro. É quase uma colaboração sem que percebam.”
Mas podemos ter a certeza de que o Grip de Dickens (na imagem acima) influenciou mesmo Poe? O historiador Edward Petit diz que a ligação parece óbvia uma vez que: “O Poe sabia do livro de Dickens. Ele escreveu sobre isso. E havia um corvo falante na história.” Isto parece ser prova suficiente para muitos académicos.