Gémeo Luís divide o seu trabalho entre os livros e a publicidade
Ilustrador, Gémeo Luís definiu-se, em conversa comigo há alguns anos atrás, como aquele que enobrece a escrita através de imagens que podem ou não ajudar a compreender a história.
Hoje, é um dos ilustradores do momento e parte do seu trabalho pode ser visto no conto infantil “Grávida no Coração”. Nesta entrevista, conhecemos melhor o ilustrador e aquilo que motiva o seu trabalho enquanto artista.
Gémeo Luís: fazer livros para filhos e papás
Quando lhe pedem para ilustrar um livro o que pensa no imediato?
Começo por ler o texto por tentar perceber o seu sentido, se me identifico com ele, se me sinto capaz de o ilustrar… Posteriormente com o autor do texto, esclareço qualquer dúvida, trocamos opiniões….ambientes. Algumas vezes ficam logo definidas situações como o formato, o suporte, às vezes até a técnica…. Nem sempre recorro à mesma técnica. Neste livro usei o acrílico, outras vezes aguarela, ou colagens, ou mesmo em computador. Faço com regularidade ilustração publicitária que frequentemente necessita de ser reproduzida em suportes muito variados, como outdoors, cartazes, lonas,….recorrendo a áreas planas e de contornos muito nítidos como o autocolante… No meu trabalho a técnica é normalmente condicionada pelo ambiente do texto, pelo público a que se destina.
Então não está somente vocacionado para a ilustração de livros infantis?
Vocação, provavelmente não será o termo ideal… Às vezes sinto-me muito entusiasmado com um texto, outras com um slogan ou um conceito… Noutras não se passa nada… Então prefiro não ilustrar…
Antes de atingir os desenhos finais passa por várias tentativas?
Passo sempre. Antes de começar a riscar faço sempre exercícios de síntese. A minha formação de designer condiciona a minha forma de desenhar, de pintar…recorro muitas vezes a pequenas frases, organizo pequenos textos que me ajudam a controlar a globalidade do objecto… tento criar uma relação entre as várias ilustrações…
Concorda com a ideia de que as imagens complementam a escrita, no sentido de algumas crianças, mesmo não sabendo ler, conseguirem contar a história através dos desenhos?
As ilustrações não devem querer substituir o texto. Os escritores não precisam de pintores para explicar o que querem dizer. Não me parece que o escritor espere do ilustrador um tradutor. Sinto que devem propor novas pistas, novas sensações, que devem ter a capacidade de encantar… O Professor António Modesto normalmente usa o termo “iluminar” em vez de ilustrar, que me parece muito apropriado.
Mas concorda que existem alguns livros que são pensados dessa maneira?
Agrada-me o confronto entre duas pessoas, entre duas sensibilidades…com o objectivo de proporem um único objecto.
É um trabalho difícil?
É complexo, mas não difícil. Normalmente é muito estimulante. Quando preparo ou ilustro um livro tenho sempre presente várias imagens… o autor do texto que já me proporcionou um determinado prazer, a criança ou a criança e o papá ou a avó, um adulto sozinho, eu e uma das minhas filhas… Um livro nunca é só para a criança… Um livro acompanha-nos sempre. É muitas vezes revisitado mais tarde. É muito gratificante coleccionar comentários de tantos e tão diversificados pontos de vista….
Tem alguma história curiosa de um livro que tenha ilustrado e que tivesse tido por parte das pessoas uma reacção tão positiva ou até mesmo negativa?
Sinceramente não tenho nenhuma que me pareça relevante.
Mas, normalmente o que é que lhe dizem sobre o seu trabalho?
Não tenho uma amostra muito exaustiva de opiniões. Normalmente são simpáticas. São os meus amigos, os meus familiares, os meus alunos… Há um personagem muito longo, rápido, sorrateiro, amoroso que reúne simpatias… Um grande amigo, o Emílio Remelhe, um cúmplice nestas áreas, numa introdução de um livro meu (O Moinho de Tempo da editora Livros do Oriente) dizia “Perguntavam-me se as ilustrações são para crianças. São, respondi, para crianças que já tenham ou não filhos…”.
Como surgiu oportunidade de trabalhar neste livro?
Não era suposto que esta iniciativa viesse a tomar estas proporções. Tenho duas filhas num colégio muito divertido e empenhado, “Os Primeiros Passos”, trata-se de um infantário que realiza muitas iniciativas paralelas envolvendo os pais e os avós no dia a dia da escola. Tem o hábito de tirar partido das características dos pais… das suas profissões. Sabiam que era designer/ilustrador e desafiaram-me para ilustrar um texto escrito por uma das educadoras sobre adopção. A ideia era promover uma exposição e um debate na escolinha. Depois de ter já feito três ou quatro desenhos e de terem agradado à Paula (autora do texto) e à João (responsável por todos os contactos posteriores) partiu-se então para a edição do livro que a editora Campo das Letras soube apadrinhar. Simpática também a participação do João Pedro Mésseder.
Como é que decorreu o lançamento do livro?
Quando me perguntaram onde gostaria de lançar o livro, sugeri que fosse na Biblioteca Almeida Garrett, no dia da Mãe ou no dia da criança….acabou por ser no dia 1 de Junho e com a presença de muitos meninos e papás….foi muito simpático. Sentimos um ambiente muito alegre e meiguinho… Foi simpático.
As ilustrações para histórias infantis é um mercado em expansão?
Penso que sim. Cada ano que passa sinto haverem mais pais empenhados em procurarem o melhor para os seus filhos. Cada ano que passa vão melhorando as ofertas também no campo da leitura infantil e juvenil. Há dez ou quinze anos contavam-se pela mão os ilustradores portuenses, o Júlio Resende, a Manuela Bacelar, o Modesto, o João Machado, o João Nunes… Agora surgem todos os anos novos e óptimos ilustradores, as editoras começam a apostar mais em novos valores tanto na imagem como no texto. Não partilho da ideia de que cada vez se lê menos, ou se oferecem menos livros. As minhas filhas, as minhas sobrinhas, as filhas dos meus amigos têm uma relação com o livro muito mais natural que eu tive ou os meus amigos….
Como surgiu esta paixão pelas ilustrações?
Quando era aluno das Belas Artes, tinha uma aproximação muito académica, muito escolar, lembro-me de ter comprado vários livros ilustrados pelo Mestre Júlio Resende e ter “treinado” vezes sem conta a técnica. Noutras períodos passei horas a apreciar e estudar os “lápis de cor” do professor Dario Alves ou do António Modesto, as técnicas mistas da Manuela Bacelar,… comprei um aerógrafo para desenhar como o João Machado, …
Mas era um interesse de criança?
Com honestidade, não consigo recordar. Em criança lembro-me de tremer de alegria quando via saltar uma bola de futebol, de me perder às escondidas com os meus irmãos e de fazer muitas asneiras. Muito mais tarde a necessidade de aprender obrigou-me a criar hábitos de pesquisa, de leitura, de análise e posteriormente fui intensificando o prazer no que fui fazendo. A ilustração é, hoje, um dos meus vícios preferidos. Compro, ainda hoje, muitos livros infantis para a minha biblioteca e outros para a das minhas filhas.
Em que materiais é que gosta mais de trabalhar?
Não consigo isolar uma técnica preferida. Tem muito mais a ver com o suporte e o ambiente dos textos do que com uma preferência pessoal. Nestes últimos meses tive a sorte de ilustrar quatro livros. Recorri em todos a técnicas diferentes. Acrílico, Recorte de papel crafte com “xizato”, Guache e suporte digital (FreeHand). Neste livro “Grávida no Coração” pareceu-me que o acrílico seria a técnica que melhor poderia iluminar a ternura, a dedicação, a disponibilidade sugerida no texto da Paula.
Para conhecer mais do trabalho de ilustração de Gémeo Luís, recomendamos uma visita à página Illustopia.
Ainda há dias li o “Grávida no coração” à minha filha (pela 2.ª vez, quando fomos à Biblioteca Almeida Garrett). E neste domingo, na livraria de Serralves, ela apontou para um livro e disse “mãe, estes desenhos não são do mesmo do “Grávida no coração”? 🙂 E as Eterogémeas, ainda existem? 🙂
Viva Eliana
a editora ainda existe… continua devagar mas com o mesmo rumo.
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