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Os Inklings: a relação de Tolkien e C. S. Lewis

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Os Inklings: a relação de Tolkien e C. S. Lewis

by Eduardo Aranha

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Consta-se que C. S. Lewis, o aclamado autor de As Crónicas de Nárnia, não ficou muito feliz quando começou a dar aulas no St. Magdalene’s College, em Oxford: os seus colegas de ofício partilhavam poucos interesses com Clive Staples. Com estudos em Filosofia e Literatura Inglesa, era um amante ávido de literatura e um curioso nato por lendas e mitos nórdicos: no entanto, nas primeiras semanas não passava de um professor solitário à procura do seu lugar.

É só alguns meses depois de começar a leccionar aulas em Oxford que revela, numa carta a um familiar, que tinha passado o serão à conversa com um outro professor. O seu nome? J.R.R. Tolkien, o pai da Terra Média e das aventuras de O Senhor dos Anéis. Este serão tão inusitado, passado entre estas duas figuras que viriam a tornar-se lendas da literatura do século XX, foi na verdade algo surpreendente: num primeiro encontro, os dois não se tinham dado muito bem.

O incidente tinha ocorrido pouco depois da chegada de Lewis a St. Magdalene. Tolkien, que era já professor na instituição, tinha apresentado perante o corpo docente uma proposta para reformar o ensino de Inglês em Oxford. A sua proposta dava um maior enfoque à literatura medieval, afastando-se dos cânones literários à base de Shakespeare e do estudo da literatura dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX.

Todavia, Lewis – um fã assumido de Milton e Shakespeare, com uma educação modernista que se reflete no seu estilo de escrita – votou contra a proposta do excêntrico professor Tolkien. Assim, esta relação, que evoluiria mais tarde para uma amizade de anos, não teve o melhor início. Mesmo assim, quando Lewis acabou por ser convidado para uma sessão organizada por Tolkien, os dois escritores perceberam que era mais o que os unia do que os separava.

Inklings: a amizade de J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis

Não tínhamos dito no início deste artigo que C. S. Lewis era apaixonado pela mitologia nórdica? Curiosamente, Tolkien também partilhava tal paixão. Aliás, apaixonado pelas lendas e línguas nórdicas, juntava semanalmente num pub local um grupo a que chamava Coalbitar, dedicado a estudar a literatura islandesa e o seu idioma.

Após  algumas sessões, já Tolkien escrevia nas suas notas pessoais o quanto apreciava a presença de Lewis em tais encontros. Em contrapartida, Lewis contava aos amigos o quão interessante era Tolkien. A amizade terá fortalecido mais ainda quando os autores começaram a partilhar um com o outro os trabalhos literários que estavam a desenvolver. O primeiro a fazê-lo foi Tolkien no dia em que partilhou com C.S. Lewis um poema que tinha escrito sobre um dragão.

Hoje, que conhecemos a mitologia de O Senhor dos Anéis, conseguimos perceber que a tendência literária de Tolkien para o género fantástico já se revelava desde muito cedo. Lewis foi um dos primeiros fãs de Tolkien e terá adorado o poema, ainda que tenha feito certas críticas dissimuladas. Quando não lhe agradava uma palavra, sugeria que no manuscrito original haveria uma falha que tornava imperceptível a palavra; se desgostava de um verso, propunha uma alternativa, não como sua, mas como se tivesse sido encontrado um códice, numa biblioteca, que tinha uma versão alternativa.

Ainda assim, Tolkien apreciou tais críticas (ou pelo menos a maior parte delas) e continuou a usá-las para construir a pouco e pouco a Terra Média. Anos mais tarde, Tolkien usou o mesmo esquema literário para dar forma a Hobbit, o seu primeiro livro situado na Terra Média, e procurou saber a opinião de Lewis e de outros colegas de Oxford.

Contudo, a diferença estilística que já antes tinha sido tema de discussão voltou a surgir na poesia. Lewis tinha um estilo mais empolado, herdeiro dos retóricos modernos, que se opunha diretamente à simplicidade linguística de Tolkien. Aliás, basta pormos lado a lado um livro de C. S. Lewis e Tolkien para percebermos as diferenças evidentes entre os dois, logo a começar pela grossura do livro.

Os Inklings às terças-feiras de noite

Foram estes encontros literários, durante serões em Oxford, que deram origem ao grupo Inklings, que Lewis e Tolkien encabeçavam. Este grupo era uma mistura quase cómica de alegria cristã, rigor académico e erudição mitológica.

O Inklings vinha substituir as sessões que Tolkien organizava para estudar a cultura islandesa, à medida que os vários estudantes deste grupo se forem desinteressando pelo tema. Ao lado de Lewis, o autor de O Hobbit começou a reunir, às terças-feiras à noite, um grupo de escritores no pub Inkling. Não tardaram a juntar-se outros nomes ao grupo: Charles Williams, escritor de culto e amizade forte de Lewis, e por vezes Roy Campbell (que traduziu para o inglês o trabalho de Fernando Pessoa), Hugo Dyson, Roger Lancelyn Green, Owen Barfield ou Warnie Lewis, entre outros.

Ao contrário da maior parte das tertúlias literárias, estas eram tertúlias em que, de facto, a literatura ocupava o papel principal. Os primeiros serões do Inklings foram dedicados ao livro que Tolkien tinha em mãos: O Hobbit. Todas as terças-feiras trazia os seus progressos e lia-os à plateia: os amigos escutavam-no atentos e depois comentavam. O mesmo processo foi aplicado mais tarde a O Senhor dos Anéis e às aclamadas Crónicas de Nárnia de C. S. Lewis, assim como a vários livros da autoria de Charles Williams.

A plateia ia mudando mas a constância das reuniões e a dedicação das mesmas nunca variava. Tolkien era conhecido pelo seu espírito de liderança e não tolerava que o interrompessem enquanto lia excertos da sua obra. Só depois eram aceites comentários e críticas construtivas.

Os Inklings prolongaram-se durante alguns anos mas, eventualmente, foram desaparecendo. Quando Lewis se transferiu para Cambridge, já o seu contacto com o grupo era mínimo. Tolkien entretanto também se mudou para uma casa que não era tão próxima da Universidade e passou a participar menos nas reuniões. O grupo, sustentado principalmente pelos dois escritores, foi desaparecendo ainda que para a eternidade preservemos as suas obras.

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