2 livros essenciais para entender os atentados do Estado Islâmico
É impossível ficar indiferente aos atentados do Deserto do Sinai, Beirute e Paris. Mas enquanto muitos encontram conforto nas notícias oficiais dos media ou nas discussões desinformadas das redes sociais, ou ainda na religião e nas manifestações públicas de solidariedade, não consigo deixar de regressar às frases, momentos, reflexões e ensinamentos que tive a oportunidade de conhecer ao ler 2 livros essenciais para quem tem interesse neste tema.
É impossível compreender os atentados do Deserto do Sinai, Beirute e Paris. Mas Robert Fisk e Antonio Salas deram-me pistas valiosas em duas obras-primas que sigo com o espírito e o coração para tentar assimilar o que se passa. Eles são na minha opinião dois dos melhores jornalistas vivos (e o facto de estarem vivos já é relevante!). Mas são muito mais do que isso: são dois jornalistas que não alinham pela cartilha oficial, ocidental e coxa da visão do mundo que perpassa todos os dias nas televisões, jornais, rádios e internet deste lado de cá.
Qual é o lado de cá? Ora, é aquela metade do planeta onde muitos milhões de pessoas são educadas, crescem e fazem as suas vidas sob a influência cultural anglo-saxónica que domina sobre todas as outras visões do que é o Mundo. Sim, é verdade, eu e tu, estamos do lado do globo cujas lideranças políticas, opinativas e informativas apresentam uma versão distorcida de muitos factos, oculta muitos outros dados relevantes e, sobretudo, orienta com diplomacia e sagacidade a nossa compreensão sobre o mundo árabe e toda a problemática do Médio Oriente. Pior ainda, essa mesma comunicação manipulada orienta as nossas emoções para os seus interesses geo-estratégicos em detrimento dos milhões de pessoas que sofrem diariamente com esta realidade… assim como desrespeitam as vítimas ocasionais do Mundo ocidental às mãos do actual Estado Islâmico.
Qual é a História verdadeira?
É famoso o adágio que preconiza que a História é sempre escrita pelos vencedores. Todos os amantes de História como eu sabem que isto é uma das verdades mais dolorosas de admitir. Sim, a História que nos ensinam na escola é sempre contada do ponto de vista de quem ganhou, pois quem perde habitualmente nem sequer tem meios para escrever a sua versão, quanto mais para a difundir em livros escolares que perduram gerações.
O exemplo mais clássico do que acabei de dizer é fácil de entender: como português que sou basta-me constatar que tudo o que me contaram em criança e adolescente sobre Os Descobrimentos foi escrito por portugueses, ou no mínimo europeus. Na verdade os povos que nós invadimos, roubamos, pilhamos e estilhaçamos nem sequer escreveram a sua versão dos factos, quanto mais meterem em frente dos meus olhos a sua visão da História. Apenas à margem dos livros oficiais consegui encontrar as versões dos acontecimentos contadas pelas tribos de Índios brasileiros, por exemplo. Esta é uma das razões pelas quais escrevo este artigo.
Para mim é também impossível ficar indiferente e compreender a falta de objectividade e realidade discursiva sobre os atentados do Deserto do Sinai, Beirute e Paris. Apesar de insistir em citar estes 3 atentados em simultâneo (foram cometidos pela mesma organização em apenas 2 semanas), foi mais do que evidente a diferença de cobertura mediática que incidiu sobre os atentados do Egipto e do Líbano em comparação com o que aconteceu em França. Mas não fico surpreendido: sei há muitos anos que as notícias também são contadas pelos “vencedores”, pelos “que estão certos”, pelos “que praticam o bem contra o mal”. Sim, os atentados do Deserto do Sinai, Beirute e Paris estão todos ligados. Sim, morreram pessoas de muitas nacionalidades, todas inocentes, crianças, mães, pais e avós, tanto no Bataclan em Paris, como no bairro Bourj al-Barajné nos subúrbios da zona sul de Beirute, ou no avião russo que foi abatido cheio de turistas provenientes de Sharm el-Sheikh no Egipto.
A desinformação chega a ser comovente. Vejo isso na grande maioria das conversas que tenho ou escuto sobre o tema, seja em conversas de rua, comentadores televisivos, crónicas de jornais, amigos ou familiares. De forma natural, as pessoas estão chocadas e de forma bem-intencionada discutem este problema em todo o lado. Não há mal nenhum nisso, mas para mim é comovente porque afinal andamos todos à roda como aqueles ratos amestrados dentro da gaiola.
Não só é complicado digerir o que se passou no imediato, como é inútil debatermos informações tão parciais, filtradas, inclinadas sobre as reais motivações dos terroristas. Também não consigo explicar o que se passou, nem sou a pessoa mais capaz e informada para o fazer. Assim, prefiro relembrar 2 livros essenciais para todos compreendermos o que se passa e, sobretudo, qual a nossa quota de responsabilidade na existência de um Estado Islâmico que comete atos de terror com este grau de barbárie.
2 obras-primas que ensinam a pensar
Confesso que tenho um interesse pessoal que me motivou sobremaneira a entender o grande problema que o Mundo enfrenta desde o início do séc. XXI. Sempre adorei História e estudei com afinco enquanto adolescente aquilo que me ensinaram na escola (estou a falar a sério). Mais tarde, formei-me em Jornalismo e naturalmente ambas as disciplinas têm muitos pontos em comum, por isso prossegui com entusiasmo os meus estudos muito além da escola ou Universidade. Portanto, sempre me considerei uma pessoa informada e na busca da compreensão do que é isto da História do Mundo valorizei todos os ensinamentos supra-citados.
Mas depois fui aos Estados Unidos da América. Em Agosto de 2001 estava em Nova Iorque com a minha Mãe, onde enquanto turista vi as Torres Gémeas e muitas das outras atracções da cidade que nunca dorme. Pouco tempo depois de regressar a Portugal, também vi pela televisão e em directo (e completamente perplexo) o ataque às mesmas Torres Gémeas que dias antes tinha fotografado em todo o seu esplendor. Claro que fiquei chocado e não percebi, nem compreendi, nem assimilei nada do que se passava em todos os meses seguintes ao ataque criminoso realizado por Bin Laden e a sua organização terrorista.
Anos depois visitei a Tunísia (2006) e o Egipto (2010), onde vi com os meus próprios olhos como os regimes ditadoriais de Ben Ali e Hosni Mubarak, respectivamente, assombravam as vidas de muitos milhões de pessoas. Curiosamente, estes 2 países foram os primeiros a embarcar na famosa Primavera Árabe de 2011, mas quando visitei a Tunísia e o Egipto eles eram há muitos anos “países amigos” do mundo ocidental. Estava tudo bem, tranquilo, a relação política era de proximidade económica, militar e geo-estratégica. São atitudes cínicas como estas que os líderes do mundo livre têm assumido desde há muitas gerações que nunca compreendi. Convém recordar que o Egipto é um dos berços do terrorismo islâmico, e vários egípcios estiveram directamente envolvidos nos ataques às Torres Gémeas. Também eu estive no Museu Nacional do Bardo em Túnis, onde no dia 18 de Março de 2015, uma dezena de homens armados mataram 22 turistas europeus, naquele que foi um dos piores ataques contra civis na Tunísia durante tempos de paz. E, já agora, durante a viagem ao Egipto, ainda tive a sorte de conhecer a bela Sharm el-Sheikh na península do Sinai cheia de russos felizes da vida por estarem a desfrutar de banhos de Sol. Portanto, esta é uma questão que nunca me abandonou ao longo dos últimos 14 anos. E eu também não deixei de procurar respostas às muitas perguntas que assolavam o meu espírito.
Todavia, desde então nunca mais deixei de procurar compreender o que se passa para que o Mundo esteja a viver desgraças civilizacionais como estas. A melhor solução que arranjei foi estudar quem sabe do tema. O jornalismo, estou a falar do Grande Jornalismo de Investigação e não daquelas informações que os meios de comunicação social diários costumam reproduzir, é sempre um recurso possível para quem realmente deseja compreender o estado da Humanidade em pleno Séc. XXI. Para mim tornou-se o único refúgio possível de conforto intelectual e entre muitas obras que li sobre o tema é mais do que justo destacar A Grande Guerra Pela Civilização de Robert Fisk e O Palestiniano de Antonio Salas.
Aprendi mais sobre o Médio Oriente nestes 2 livros do que a soma das informações de todos os debates, documentários, filmes, comentários, crónicas ou livros de história que consumi em toda a minha vida! E não foram poucas as pistas que segui durante anos.
LEIA AQUI A MINHA REVIEW SOBRE O LIVRO A GRANDE GUERRA PELA CIVILIZAÇÃO
Sobretudo, ambos os livros ensinaram-me a pensar sobre este tema tão vasto com uma profundidade que às vezes é surpreendente até para mim, porque nunca me apercebi do alcance eterno destes ensinamentos. Ajudam-me até diariamente a ler nas entrelinhas todas as notícias exibidas sobre o Médio Oriente, permitindo assim algumas leituras e conclusões que antes eram impossíveis de alcançar. Todos os meus amigos e familiares já estão fartos de me ouvirem falar destes livros! Agora, espero que com estas sugestões de leitura consiga contribuir para o debate aceso em torno dos atentados mais recentes.
O mais curioso é que A Grande Guerra Pela Civilização e O Palestiniano são ambos radicalmente diferentes na forma e conteúdo. Mas talvez por isso mesmo são tão complementares, formando uma parelha que sinceramente não vai defraudar quem procura informação para entender os recentes atentados ou a existência de um Estado Islâmico.
Outra grande curiosidade é que foram escritos por jornalistas ocidentais: Robert Fisk é inglês e Antonio Salas é o pseudónimo de um jornalista espanhol, cujo nome verdadeiro é desconhecido (explico porquê neste artigo).
LEIA AQUI A MINHA REVIEW SOBRE O LIVRO O PALESTINIANO
Mas atenção, tome nota: ambos os livros foram escritos muito antes da existência sequer do Estado Islâmico, e não lhe vão explicar nada sobre essa organização. Então por que razão considero que são essenciais para compreender os atentados do Estado Islâmico? A resposta está na análise que faço nos posts A Grande Guerra Pela Civilização de Robert Fisk e O Palestiniano de Antonio Salas.