Mario Vargas Llosa: revisor de lápides, jornalista, político e Nobel
Em 2010, Mario Vargas Llosa recebeu o Prémio Nobel da Literatura coroando uma carreira de alto prestígio na cultura hispânica. O nome do autor peruano, apesar de desconhecido por grande parte da comunidade internacional, era bastante familiar na cultura espanhola, quer pela sua obra literária, quer pela carreira dedicada ao jornalismo, ensaísmo e ativismo político. No entanto, quem é afinal este escritor contemporâneo que esteve tantos anos na lista de candidatos ao Nobel?
A história começa a 28 de março de 1936, na cidade de Arequipa, Peru, quando Mario Vargas Llosa nasce numa família da classe média. A família sofre, no entanto, um grande abalo quando, pouco depois do nascimento da criança, o pai confessa um relacionamento extraconjugal que põe fim ao casamento. O pequeno Mario fica então à guarda da mãe e da sua família, mudando-se para a cidade de Conchabamba, na Bolívia. Apenas anos mais tarde, quando o seu avô materno recebeu um importante cargo político no Peru, é que Mario Vargas Llosa e a mãe regressaram ao país natal, onde finalmente conhece o pai. Por essa altura, quando tinha 14 anos, ingressa no Colégio Militar Leôncio Prado, em La Perla, após insistência e vontade do progenitor.
Após uma educação rígida e militar que viria a influenciar a sua obra literária, envereda pelo caminho do Direito e Letras na Universidade de San Marcos, em Lima. Com 19 anos, decide casar com Julia Urquidi, irmã da mulher do seu tio materno, e procura atingir estabilidade financeira com diferentes empregos: redator, revisor de nomes em túmulos do cemitério e até mesmo a fazer resumos para livros.
Dos anos em Madrid ao Nobel da Literatura
Graças a uma bolsa de estudos, Mario Vargas Llosa muda-se para Madrid, para fazer um doutoramento em Filosofia e Letras e para expandir horizontes. O seu percurso pela Europa não termina quando conclui o doutoramento com a nota de 19 valores. Em vez de regressar ao Peru, parte para França, onde trabalha como jornalista durante alguns anos. Em 1964, divorcia-se e volta a casar, no ano seguinte, com a sua prima Patrícia Llosa, com quem teve três filhos. Durante a estadia em Madrid fez a sua primeira publicação, um livro de contos, apesar de ganhar reconhecimento apenas em 1962, com Batismo de Fogo, uma obra onde traça um retrato à realidade política do Peru, que vivia sob um regime ditatorial.
Como muitos escritores da sua geração, Mario Vargas Llosa simpatizava com os ideais socialistas, inspirado principalmente pelo idealismo prometido pela Revolução Cubana. A sua perspetiva, no entanto, terá mudado após uma visita à União Soviética em 1966. Esta rutura ideológica é bem demonstrada no livro A Guerra do Fim do Mundo, uma obra que envolve personagens fictícias e reais.
Influenciado pelo existencialismo do filósofo francês Jean Paul Sartre e pelo norte-americano William Faulkner, Mario Vargas Llosa cedo se começa a dedicar à arte da escrita. A sua obra literária, como se veio a verificar ao longo dos anos, é profundamente autobiográfica, criticando aspetos sociais da realidade peruana. Expondo de forma literária dilemas sociais e raciais ainda hoje presentes no Peru e em toda a América Latina, o escritor peruano essencialmente lutou pela liberdade individual. Por isso mesmo, livros emblemáticos como A Cidade e Os Cachorros (1963), A Casa Verde (1966) e Tia Júlia e o Escrevinhador (1977) deram voz a milhares de pessoas que lutam por um mundo melhor.
Mas Mario Vargas Llosa não escreveu apenas sobre política: também tentou vivê-la de forma ativa. Em 1983, preside a uma comissão de investigação encarregada de averiguar a morte de oito jornalistas. Ainda na mesma década, lança um movimento liberal contra a desestatização da economia.
Em 1990, com a aproximação das presidenciais no Peru, candidata-se ao cargo de presidente da nação, contando com o apoio do partido de centro-direita, mas sofre uma pesada derrota que o faz regressar de novo à escrita e à Europa, onde se divide entre Paris, Londres e as cidades espanholas de Barcelona e Madrid.
Aos 74 anos, Mario Vargas Llosa foi finalmente condecorado com o Prémio Nobel da Literatura, contando com uma obra literária composta por quase 20 trabalhos de ficção e uma série de ensaios e peças de teatro.