Dentro da mente dos terroristas: O Palestiniano de Antonio Salas
Uma das perguntas que mais ouço quando se abordam os mais recentes atentados cometidos pelo Estado Islâmico é: “Como é que existem pessoas capazes de cometer estes actos terroristas sobre pessoas inocentes?”. Se queres saber a resposta, então tens de ler O Palestiniano de Antonio Salas. É um livro notável para a compreensão do momento actual da Humanidade. Nunca será demais realçar o valor intrínseco desta obra monumental, que não é pequena (664 páginas). Mas tal como A Grande Guerra Pela Civilização vale cada palavra, vírgula, ponto final. E é essencial (na minha opinião) para entender os atentados do Estado Islâmico.
Primeiro, convém explicar que Antonio Salas é o pseudónimo de um jornalista espanhol que permanece incógnito, porque o seu trabalho é infiltrar-se em grupos criminosos para contar como actuam na clandestinidade. Desconheço como será possível alguma vez quantificar a bravura e coragem deste homem cuja vida tem sido desmascarar os métodos de actuação de organizações criminosas de várias estirpes.
Antes de escrever O Palestiniano, ele já tinha assinado livros marcantes que provocaram mudanças concretas na sociedade espanhola, como Diário de um Skin (onde integrou camuflado durante 12 meses o movimento neonazi espanhol) e (em que revela a forma de actuar dos traficantes de mulheres e em consequência como funciona o sórdido negócio do sexo). Garanto que nenhum destes livros pode deixar alguém indiferente, mas o que Antonio Salas fez em O Palestiniano é ainda mais incrível, respeitável, inaudito e admirável.
Antonio Salas: 6 anos de dedicação
Para escrever o livro O Palestiniano, o jornalista espanhol criou uma identidade falsa à prova de qualquer teste e perfurou as malhas das redes do terrorismo internacional, demonstrando em simultâneo como são atraídos novos recrutas todos os dias, enquanto as organizações criminosas se ajustam aos moldes da vigilância internacional. Logo após os atentados de 11 de Março de 2004 em Madrid, este jornalista espanhol iniciou uma viagem de 6 anos ao universo do terrorismo internacional, conseguindo de forma notável dissecar e explanar muitas das razões que levam milhares de pessoas a aderirem a movimentos radicais extremistas.
Repito outra vez, para que não fique no esquecimento: ele esteve infiltrado 6 anos (seis anos!! – SEIS ANOS!!) e conta tudo sobre a experiência neste livro, revelando assim o lado mais pessoal que alguma vez vi sobre as motivações das pessoas que se tornam terroristas. Mas fez mais: além do livro, também criou um site na Internet onde colocou todas as vertentes multimédia desta experiência, desde as fotos falsas que tirou com a mulher muçulmana, até às imagens que demonstram o seu passado na casa da aldeia da Palestina onde foi (ficticiamente) criado! Infelizmente, esse site foi desactivado recentemente.
Foram 6 anos em que Antonio Salas não viveu de acordo com a sua natureza, pelo contrário, encarnou uma personagem fictícia em permanência, abdicando de vida pessoal, familiar ou social, em prol de um trabalho de investigação absolutamente notável. Constatar que uma pessoa dedica 6 anos a uma causa como esta (que nos afecta a todos) é avassalador. Não ficaria bem com a minha consciência se não invocasse o nome de Antonio Salas como um dos meus heróis jornalísticos. Desde a escrita do seu primeiro livro que ele tem a cabeça a prémio, ou seja, vários grupos criminosos querem matá-lo. Mesmo assim, continuou a fazer o seu trabalho infiltrado em novos projectos. Sabe-se lá onde estará neste momento a fazer o quê, mas para mim era mais do que merecedor de um prémio Nobel da Literatura ou de um prémio Pullitzer. Contudo, se alguma vez receber esses prémios, duvido que Antonio Salas compareça na cerimónia de entrega do respectivo galardão.
Os segredos do terrorismo internacional
Em O Palestiniano, Antonio Salas veste a pele, alma e espírito de Muhammad Abdallah, um muçulmano com raízes palestinianas nascido na Venezuela. Muitas vezes (quando possível) equipado com uma câmara oculta, o autor vivenciou de perto os atentados suicidas de Amã e de Casablanca e homicídios selectivos realizados pela Mossad (para quem não sabe são as forças especiais israelitas). Entre outras revelações surpreendentes, Antonio Salas explica quais e como são os laços que une grupos da jihad com os neo-nazis, assim como o jogo de sedução de elementos islâmicos nas mesquitas europeias, sem esquecer os grupos terroristas sul-americanos, com incidência nas FARC colombianas.
Através deste livro compreendi muito melhor como funciona a mente dos terroristas internacionais que têm espalhado o horror em todo o Mundo, mas também a realidade social, militar e mediática dos grupos que no fundo são a origem de todas as barbaridades das últimas décadas. De forma acutilante, entendi também que os elementos da ETA, IRA, FARC ou Estado Islâmico são muito mais parecidos do que parecem à primeira vista. O que é assustador no mínimo!
Durante o período em que esteve infiltrado, Antonio Salas desfez também o novelo da Internet ao serviço do terrorismo, chegando ainda a interagir com o líder palestiniano Aiman Abu Aita, o cabecilha tupamaro Chino Carías, o etarra Arturo Cubillas, o fundador do Hezbollah-Venezuela, Teodoro Darnott, e ainda o comandante Eduardo Rózsa. Por via destas aproximações descritas no livro, qualquer pessoa que leia esta obra irá entender muito melhor por que razão existem pessoas capazes de cometer actos de terrorismo puro como aconteceu, por exemplo, no Bataclan em Paris.
Mas a ligação pessoal estabelecida pelo autor mais marcante do livro é a relação de confiança que estabeleceu com Carlos, o Chacal, nada mais nada menos um dos terroristas mais mortíferos e famosos do Séc. XX. No livro, Antonio Salas conta como a sua personagem Muhammad Abdallah se tornou gestor do blog de Carlos Ilich Ramirez, o Chacal (encarcerado numa prisão em França desde 1994) transmitindo as suas ideias para o exterior.
Antonio Salas: um jornalista notável
Ainda hoje no momento em que escrevo este artigo, Antonio Salas vive de forma muito diferente do comum dos mortais, concedendo entrevistas avulsas através de email em qualquer lugar do mundo, que escreve sempre em períodos de 15 a 20 minutos a partir de pequenos ciber-cafés sem sistema de videovigilância, nem webcam conectada ao computador.
É uma personalidade notável, seja lá qual for o modo e o tempo de análise sobre as suas obra. Antonio Salas, o jornalista sem rosto, é o pseudónimo de um dos jornalistas mais corajosos de sempre. E com o qual podemos e devemos aprender ensinamentos importantes para compreender os atentados perpretados pelo Estado Islâmico, ou qualquer outro grupo terrorista, através do livro O Palestiniano.