5 poemas de Jorge Amado extraídos dos seus romances mais conhecidos
O escritor e poeta Jorge Amado é hoje relembrado como um dos grandes nomes da literatura brasileira. Autor de livros emblemáticos como Capitães da Areia, Gabriela, Cravo e Canela e ainda Dona Flor e Seus Dois Maridos, este escritor da Bahia não é porém especialmente relembrado pelo seu trabalho poético.
Ao olharmos para a sua bibliografia, encontramos um único trabalho dedicado apenas ao texto poético: A Estrada do Amor. Este livro, publicado pela primeira vez em 1938 (e atualmente muito difícil de encontrar), não é no entanto a única oportunidade que temos para encontrar poesia assinada por Jorge Amado.
Se já leu alguns dos livros de prosa do autor, notou certamente que em certos momentos o autor recorre à linguagem poética. Quase como se se tratassem de músicas, estes poemas expressam por norma o amor numa linguagem mais lírica, que entrelaçados com o texto em prosa resultam num excelente trabalho de escrita.
Neste post, procuramos honrar Jorge Amado uma vez mais, recordando alguns dos poemas que podemos encontrar nos livros do autor.
5 poemas de Jorge Amado retirados de 5 dos seus livros
Gato Malhado e a Andorinha Sinhá
Através de uma narrativa doce e inocente, Jorge Amado relata-nos o amor improvável de um gato malhado e de uma andorinha, ao longo de três estações do ano. Esta fábula romântica começa exatamente com um poema antes de iniciar o estilo de prosa que se mantém até à última página.
O mundo só vai prestar
Para nele se viver
No dia em que a gente ver
Um gato maltês casar
Com uma alegre andorinha
Saindo os dois a voar
O noivo e sua noivinha
Dom Gato e Dona Andorinha.
Mar Morto
O livro Mar Morto conta histórias passadas junto cais da Bahia. Nenhum outro trabalho literário brasileiro sintetizou tão bem o mundo pulsante do cais de Salvador, com a rica mitologia que gira em torno de Iemanjá, a rainha do mar. Personagens como o jovem mestre de saveiro Guma parecem prisioneiros de um destino traçado há muitas gerações: o dos homens que saem para o mar e que um dia serão levados por Iemanjá, deixando mulher e filhos a esperar, resignados. Do livro, faz parte o seguinte poema:
Lívia olha de sua janela
o mar morto sem Lua.
Aponta a Madrugada.
Os homens,
que rondavam a sua porta,
o seu corpo sem dono,
voltaram para as suas casas.
Agora tudo é mistério.
A música acabou.
Aos poucos as coisas se animam,
os cenários se movem,
os homens se alegram.
A madrugada rompe
sobre o mar morto.
Gabriela, Cravo e Canela
Com o seu inigualável lirismo e inspiração poética, Jorge Amado cria personagens inesquecíveis no romance Gabriela, Cravo e Canela, que nos relata o amor de Gabriela e do árabe Nacib. Mais do que uma história de amor, este livro é uma crónica social de uma pequena cidade baiana, Ilhéus, quando passava por bruscas transformações, por volta do ano de 1925. No livro, encontramos o seguinte poema:
Dorme, menina dormida
Teu lindo sonho a sonhar.
No teu leito adormecida
Partirás a navegar.
Estou presa em meu jardim
Com flores acorrentadas.
Acudam! Vão me afogar.
Acudam! Vão me matar.
Acudam! Vão me casar.
Numa casa me enterrar
Na cozinha a cozinhar
Na arrumação a arrumar
No piano a dedilhar
Na missa a me confessar.
Acudam! Vão me casar
Na cama me engravidar.
No teu leito adormecida
Partirás a navegar.
Meu marido, meu senhor
Na minha vida a mandar.
A mandar na minha roupa
No meu perfume a mandar.
A mandar no meu desejo
No meu dormir a mandar.
A mandar nesse meu corpo
Nessa minh’alma a mandar.
Direito meu a chorar.
Direito dele a matar.
No teu leito adormecida
Partirás a navegar,
Acudam! Me levem embora
Quero marido pra amar
Não quero pra respeitar
Quem seja ele – que importa?
Moço pobre ou moço rico
Bonito, feio, mulato
Me leva embora daqui,
Escrava não quero ser.
Acudam! Me levem embora.
No teu leito adormecida
Partirás a navegar.
A navegar partirei
Acompanhada ou sozinha
Abençoada ou maldita
A navegar partirei.
Partirei pra me entregar
A navegar partirei.
Partirei pra trabalhar
A navegar partirei.
Partirei pra me encontrar
Para jamais partirei.
Dorme menina dormida
Teu lindo sonho a sonhar.
Capitães de Areia
Capitães da Areia é o livro de Jorge Amado mais vendido no mundo inteiro. Publicado em 1937, teve a sua primeira edição apreendida e queimada em praça pública pelas autoridades do Estado Novo. Em 1944 conheceu uma nova edição e desde então sucederam-se as edições nacionais e estrangeiras, e as adaptações para a rádio, televisão e cinema. Jorge Amado descreve, em páginas carregadas de grande beleza, a vida dos meninos abandonados nas ruas de . No livro, podemos encontrar este poema, um dos mais bonitos do autor.
A cidade dormiu cedo.
A lua ilumina o céu, vem a voz de um negro do mar em frente.
Canta a amargura da sua vida desde que a amada se foi.
No trapiche as crianças já dormem.
A paz da noite envolve os esposos.
O amor é sempre doce e bom, mesmo quando a morte está próxima.
Os corpos não se balançam mais no ritmo do amor.
Mas no coração dos dois meninos não há nenhum medo.
Somente paz, a paz da noite da Bahia.
Então a luz da lua se estendeu sobre todos,
as estrelas brilharam ainda mais no céu,
o mar ficou de todo manso
(talvez que Iemanjá tivesse vindo também a ouvir música)
e a cidade era como que um grande carrossel
onde giravam em invisíveis cavalos os Capitães da Areia.
Vestidos de farrapos, sujos, semi-esfomeados, agressivos,
soltando palavrões e fumando pontas de cigarro,
eram, em verdade, os donos da cidade,
os que a conheciam totalmente,
os que totalmente a amavam,
os seus poetas.
Dona Flor e Seus Dois Maridos
Dona Flor e Seus Dois Maridos conta a história de Florípedes Paiva, que conhece em seus dois casamentos a dupla face do amor: com o boêmio Vadinho, Flor vive a paixão avassaladora, o erotismo febril, o ciúme que corrói. Com o farmacêutico Teodoro, com quem se casa depois da morte do primeiro marido, encontra a paz doméstica, a segurança material, o amor metódico. É neste título que encontramos este breve mas significativo poema.
A viração desatava os cabelos lisos e negros de Flor,
punha-lhe o sol azulados reflexos.
No barulho das ondas e no embalo do vento.
Rompeu a aldeia sobre o mar de Itapoã,
a brisa veio pelos ais de amor, e,
num silêncio de peixes e sereias,
a voz estrangulada de Flor em aleluia;
no mar e na terra aleluia, no céu e no inferno aleluia!