Umberto Eco e Jean-Claude Carrière à conversa sobre o futuro do livro
No blog Mundo de Livros foram já as vezes em que debatemos a situação do livro de papel e a sua posição no mercado de hoje. Ainda que o digital se tenha instalado no mercado e continue a conquistar muitos adeptos, existem também aqueles que acreditam que o papel não será tão facilmente substituído. É na sequência deste pensamento que se torna pertinente mencionar Umberto Eco.
O filósofo, escritor e historiador Umberto Eco advoga que o livro ou “alguma coisa” que se assemelhe a ele, permanecerá como suporte de leitura e justifica, afirmando que uma vez inventado, não se pode fazer melhor. Neste claro elogio ao livro de papel, que é em si mesmo uma crítica subtil ao digital, Eco realça o valor de um objecto que é tomado cada vez mais como algo em extinção.
Umberto Eco, falecido em fevereiro de 2016, fez esta afirmação numa conversa com o argumentista e encenador francês Jean-Claude Carrière, moderada pelo jornalista e escritor Jean-Philippe de Tonnac. O resultado desta conversa foi compilado numa obra, editada em junho pela Gradiva, sob o título Umberto Eco-Jean-Claude Carrière. Não contem com o fim dos livros. O livro assume-se como uma leitura interessante para todos os leitores que anseiam por conhecer mais sobre o autor e o seu trabalho.
Jean-Phillippe Tonnac refere que para os seus dois interlocutores – Umberto Eco e Jean-Claude Carrière – o livro é “uma espécie de perfeição inultrapassável na ordem do imaginário”. Os dois investigadores são “experientes bibliófilos, escrutinadores e batedores de incunábulos”.
Futuro do livro: a visão de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière
A hipótese do desaparecimento do livro como suporte de leitura nos próximos 15 anos foi uma das possibilidades antecipadas por um “futurólogo” em 2008, no Fórum Económico Mundial de Davos, na Suíça, conta Jean-Claude Carrière. Segundo o argumentista e encenador, o “futurólogo” previu que no futuro a água seria cotada na bolsa de valores, enquanto o barril de petróleo chegará aos 500 dólares e África “se tornará, seguramente, nas próximas décadas, numa potência económica”.
“A questão é, pois, saber se a extinção definitiva do livro, se este desaparecer verdadeiramente, poderá ter as mesmas consequências para a Humanidade que a rarefação prevista da água, por exemplo, ou a inacessibilidade do petróleo”, afirma Jean-Claude Carrière na conversa.
O moderador da conversa, Tonnac, insiste no entanto que “o e-book não matará o livro” e justifica esta sua sentença, afirmando que “se o livro eletrónico acabar por se impor em detrimento do livro impresso, há poucas razões para a expulsão deste último das casas e dos hábitos”.
Umberto Eco aponta uma outra razão de caráter prático: “o livro apresenta-se como uma ferramenta mais flexível” e acrescenta que “o computador depende da presença de eletricidade, não pode ser lido numa banheira nem mesmo deitado de lado na cama”, além do facto da leitura contínua do ecrã provocar problemas visuais.
Por seu turno, Jean-Claude Carrière questiona se, “com o desenvolvimento de novos suportes cada vez mais adaptados às exigências e conforto de uma leitura todo-terreno, seja o das enciclopédias ou dos romances online, porque não imaginar apesar de tudo uma lenta desafeição pelo objeto livro na sua forma tradicional?”.
Eco contra-ataca e afirma que o livro poderá, todavia, vir a interessar “apenas a um punhado de incondicionais” que se satisfarão em museus e bibliotecas, mas persistirá, e cogita a possibilidade de “a extraordinária invenção que é a Internet desaparecer por sua vez, no futuro”.
Para Jean-Philippe de Tonnac, “a questão é mais propriamente saber que alteração introduzirá a leitura em ecrã” e refere que se vive um período de “dessacralização” do livro, que “uma civilização o colocara sobre um altar”.